A vez da música e a voz do coração
Meninos carentes e marginalizados, uma escola em ruínas, funcionários desmotivados, um diretor autoritário. Quem poderá salvar essa escola? Um professor obstinado e cheio de amor pra dar. Aliás, cheio de música pra cantar. O messias é quase sempre um professor de música, anônimo, rejeitado, uma abelhinha laboriosa capaz de transformar a escola e a vida dos meninos.
Esse é o argumento de filmes como Mr. Holland – Adorável Professor (1990), Música do Coração (1998) e de A Voz do Coração (Les choristes, França, 2004). Cada um desses filmes apresenta um cenário semelhante de desordem escolar e problemas individuais e juvenis.
No primeiro filme, Richard Dreyfuss é um professor de música perfeccionista que leciona numa escola pública que lhe disponibiliza uma sala específica e instrumentos para os alunos – no Brasil, isso seria uma realidade remotíssima.
Em Música do coração, uma professora de violino consegue montar uma pequena orquestra numa escola da periferia, a custo de muito suor e lágrimas (dos atores e dos espectadores). A grande atriz Meryl Streep evita a pieguice e injeta até certa rudeza na interpretação da violinista, o que a torna mais próxima de um ser humano. Porque convenhamos, é muito difícil ser como aquele professor de Sociedade dos Poetas Mortos o tempo todo.
Falando nisso, os professores brilhantes que fazem alunos vencedores são um híbrido da nobreza de Sidney Poitier em Ao Mestre com Carinho, do auto-sacrifício de Conrack e da simpatia do prof. Freddy Shoop em Curso de Verão.
Os franceses também têm seus problemas com educação escolar. E professores devem assistir à Quando Tudo Começa (1999) para confirmar que o assunto ‘educação’ foi relegado a segundo plano mesmo nos países do chamado Primeiro Mundo. Voltando para A Voz do Coração, que se passa na França em 1949, o professor Clement Mathieu irá, com todo o afeto que se encerra, mudar o caótico cenário que encontra na escola.
A música é usada pelo professor não apenas para aliviar a brutalidade a que os alunos são submetidos, mas também para fazer com que eles possam evitar o destino de delinqüência que os espera. Para alguns daqueles meninos, a música não é apenas uma saída. Mas a única saída para transcender aquele ambiente opressivo.
O filme é esquemático como todo filme edificante. Mas, peraí? Qual o problema com os filmes com mensagem edificante? Todo filme com mensagem é acusado pela crítica intelequitual de sentimentalismo e moralismo. Reconhecendo que muitos são assim mesmo, pergunto: Será que é necessário encher o filme de cortes e diálogos espertinhos, luzes e contraluzes, câmera trôpega e montagem não-linear, enfim, todo filme tem que ser feito com o barroquismo e o exagero insuportáveis da série Capitu, por exemplo?
A Voz do Coração quer apenas contar linearmente uma história e chamar a atenção para o valor da música como agente transformador. Esse filme não se dirige para os cínicos de plantão que ficam nas academias vivendo da “música pela música” enquanto a realidade cruel toma conta das comunidades em risco social. De fato, o filme tem lá suas pequenas fraquezas assim como há organizações fraudulentas que abusam da pobreza para faturar com seus projetos de inclusão social.
Mas há seriedade também, tanto no aspecto da civilidade desenvolvida com o auxílio da arte, como mostra o filme, quanto na luta cotidiana de profissionais da música envolvidos com crianças cuja saída (às vezes, a única) da situação em que se encontram está em fazer música, em tocar um instrumento na orquestra ou banda, em cantar num coral.
Como o maestro do recente (e brasileiro) Orquestra dos Meninos ou o professor de A Voz do Coração, há professores que não tem a pretensão de mudar o mundo ou ficar famoso com suas composições. Muitos deles querem apenas fazer valer o resultado de seu trabalho. E quando uma criança está envolvida numa orquestra ou num coral, ela pode estar começando a superar sua herança opressiva e recriar seu destino.
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